domingo, 14 de março de 2010

Dicas de português, uso do acento grave (crase)

Licença, majestade?

Ninguém segura. A campanha eleitoral ganhou ruas e palanques. Dilma, Serra, Aécio, Ciro & cia. fazem e acontecem para aparecer. Vale tudo. Sorrisos, abraços e beijinhos viram chavão. Só perdem pra criancinha no colo. Dilma abusou. Inaugurou hospital construído sem um níquel do governo federal. Serra foi além. Inaugurou maquete de ponte.

Pra ficar bem na foto, os candidatos contratam marqueteiros. Fantasiam-se de bonzinhos, trabalhadores e competentes. Ensaiam o discurso. Esbanjam próclises e mesóclises. Acertam formas rizotônicas e arrizotônicas. Sobretudo evitam o eu. O pronomezinho dá a impressão de arrogância. Rouba votos. A saída? Pedir socorro ao plural de modéstia. Ou, se preferir outro nome, plural majestático. Em vez do eu, eles usam nós.

"Nós somos experiente. Construiremos a ponte", disse Serra diante da maquete. "Nós não somos excludente. Governaremos para todos", jurou Dilma. "Nosso governo construiu o Centro Administrativo", lembrou Aécio Neves. "Quem criou o Bolsa Família foi nossa equipe", frisou FHC. Viu? É tudo mentirinha. O nós continua eu. Por isso o apelo para a falsa modéstia impõe regras. O verbo vai para o plural. Mas adjetivos e substantivos não.

Se deixassem a majestade pra lá, os candidatos conjugariam o verbo assumir. "Eu sou experiente. Construirei a ponte", diria Serra. "Eu não sou excludente. Governarei para todos", juraria Dilma. "Meu governo construiu o Centro Administrativo", lembraria Aécio. "Quem criou o Bolsa Família foi minha equipe", frisaria FHC.

Moral da opereta: na campanha, os candidatos se embalam para presente. A língua também.

Sei que a crase não foi feita pra humilhar ninguém. Mas causa estragos. Há alguma dica para acertar sempre?

Ufa! A crase dá nós nos miolos. Como desatá-los? É fácil como andar pra frente. Siga o roteiro:

Primeiro passo: Desvendar o segredo do acentinho

Crase é como aliança no anular esquerdo. Avisa que estamos diante de ilustre senhora casada. A preposição a se encontra com outro a. Pode ser artigo ou pronome demonstrativo. Os dois se olham. O coração estremece. Aí, não dá outra. Juntam os trapinhos e viram um único ser.

Segundo passo: Descobrir se existem dois aa

Para que a duplinha tenha vez, impõem-se duas condições. Uma: estar diante de uma palavra feminina. A outra: estar diante de um verbo, adjetivo ou advérbio que peçam a preposição a: Vou à piscina da Água Mineral.

O verbo ir pede a preposição a (quem vai vai a algum lugar). O substantivo piscina adora o artigo (a piscina da Água Mineral fica na Asa Norte).Resultado: a + a = à

Terceiro passo: Apele para o macete

Na dúvida, recorra ao tira-teima. Substitua a palavra feminina por uma masculina. (Não precisa ser sinônima.) Se no troca-troca der ao, não duvide. É crase na certa:

Vou à piscina. (Vou ao clube.)

João é fiel à namorada. (João é fiel ao amigo.)

Relativamente à questão, nada posso fazer. (Relativamente ao problema, nada posso fazer.)

Vale a pergunta: Se é tão simples, por que tantos tombam tanto? Acredite. A resposta está no artigo. Nossa dificuldade não reside na preposição, mas no saber se aparece artigo ou não

Troca-troca

Gilmar Mendes deixa a presidência do STF. Cezar Peluso o substituirá. Vale a questão: Peluzo sucederá Gilmar ou sucederá a Gilmar? No sentido de substituir, entrar em lugar de outro, o verbo é transitivo indireto. Exige a preposição a: Peluso sucederá a Gilmar. O filho sucedeu ao pai. A noite sucede ao dia.

É assim

Subsídio se pronuncia como subsolo. Guido Mantega não sabe disso.



Diário de Natal

Nenhum comentário:

Postar um comentário