Aposto que você já perdeu tempo tentando explicar para algum gringo que a palavra “saudade” só existe em português. Bom, a primeira notícia ruim do dia é que não, os brasileiros não são os únicos donos da saudade – a palavra também faz parte do vocabulário dos 4 milhões de habitantes da Galícia (que falam, é óbvio, galego).
A segunda notícia – esta não é ruim – é que a maior parte dos idiomas tem suas “saudades”, ou seja, palavras que dão trabalho aos tradutores. Normalmente, é preciso frases inteiras para explicar o sentido dessas palavras. Resolvemos usar parágrafos. Acompanhe:
Тоска (lê-se tós-ca) – Russo
Começamos nossa lista com uma palavra baixo-astral muito popular na Rússia. Segundo o Google Tradutor, toska significa apenas depressão. Mas, do mesmo jeito que você entende que “sentir saudades” é diferente de “sentir falta”, os russos sabem que não é bem assim. Segundo Valdimir Nabokov, autor de Lolita, toska é uma sensação de angústia espiritual. É aquela agonia sem motivo que esperamos que você nunca tenha sentido. Pode ser leve, como uma sensação parecida com o tédio, ou mais profunda e aguda, como uma “dor na alma”.
Lítost (lê-se li-tóst) – Tcheco
Lítost é algo entre o remorso, o pesar e a compaixão. É uma dor profunda que você sente diante de sua própria mediocridade ou falta de habilidade. É quase um tormento da alma. O escritor tcheco Milan Kundera já tentou explicar o significado da expressão em “O livro do riso e do esquecimento”. E disse ainda que não consegue imaginar como outros povos conseguem compreender a alma sem entender o verdadeiro sentido de lítost. Em português, o mais próximo que se chega disso é a famosa “dó”. Também existe um adjetivo derivado da palavra – lítostivý, que significa “pessoa que se emociona muito, não aguenta crítica leve e leva tudo para o lado pessoal”.
L’esprit d’escalier – Francês
Neste caso, a expressão não é intraduzível. Ao pé da letra, significa “o espírito da escada”. Mas WTF? o que será que os franceses querem dizer? Na real, l’esprit d’escalier é aquilo que você provavelmente já sentiu depois de sair de uma discussão. Algo como “putz, mas bem que eu podia ter disparado aquele argumento infalível. Agora, já era!”. O nome deste sentimento foi cunhado pelo filósofo Denis Diderot no século 18 e a idéia também aparece nos idiomas iídiche (trepverter) e inglês (que pegam a expressão alemã Treppenwitz emprestada).
Tartle (lê-se tár-dol) – Escocês
Você está numa balada com um amigo. Entre um drinque e outro, uma velha conhecida sua se aproxima e você se sente na obrigação de apresentar os dois. O problema é que você não lembra exatamente se o nome dela é Beatriz ou Gabriela e está sem jeito de perguntar. Você sente um calafrio e fica muito constrangido, agora que vai ter que falar o nome da moça, correndo o risco de errar e passar vexame. Ok, o sentimento pode não ser tão exagerado assim. Mas ele tem nome: tartle.
Hygge (lê-se rí-gue)
Você já foi à Dinamarca ou conhece bem a cultura dinamarquesa? Por lá, hygge é um estilo de vida. Pelo menos é este o nome que eles dão para a alegria de viver, o aconchego da companhia dos amigos, com quem se compartilha bons momentos. Bonito, né? Resumindo: hygge é a completa ausência de preocupação e aborrecimentos e a fartura de coisas alegres, agradáveis e simples. No Brasil, não é difícil imaginar situações parecidas, seja na época do Carnaval, seja no happy hour de sexta-feira. Agora, no frio da Dinamarca? Quem diria.
Ilunga – Banto
Existem pelo menos 200 idiomas diferentes – mas um pouco parecidos – falados por centenas de povos espalhados pela África. São as línguas bantas. No vocabulário desses idiomas, há muitas palavras de tradução complicada. Mas poucas são tão difíceis de explicar quanto esta. Ilunga é uma pessoa que consegue perdoar alguém que lhe fez mal uma vez. Da segunda vez, ele até tolera. Mas, para os ilunga, três vacilos é demais. Simplificando, ser ilunga é ser tolerante até certo ponto.
Mamihlapinatapai – Yagan
Yagan era um idioma indígena falado por povos de Tierra Del Fuego, um arquipélago isolado que fica ao sul do Chile. Com o passar do tempo, o número de falantes nativos do idioma foi reduzindo até chegar à marca atual: um. Cristina Calderón é a única representante viva dos povos da Tierra Del Fuego e, provavelmente, a única que pode explicar com propriedade o mamihlapinatapai. Vamos tentar: é o olhar trocado por duas pessoas quando uma delas deseja que a outra tome iniciativa para fazer algo que ambas querem, mas que estão relutantes em fazer. Você pode não ser um yagan, mas, se já teve paixões adolescentes, sabe muito bem que ‘olhar’ é este.
Fonte: Super Interessante
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